Memórias...
Foto de Luis Pereira, publicada no Blog " A Saloia "
Foto de ontem
Olá Pai.
Neste momento em que já não está connosco (está, eu sei, mas noutra dimensão, a olhar por nós) não consigo tratá-lo por tu. Como agora se usa, frequentemente. Sempre houve esse respeito (distancionamento?) entre nós.
Pai, ontem fomos fazer uma visita de despedida à Quinta. Nós, os seus filhos. A propósito de um livro que o professor Daniel escreveu. Havia uma tremenda necessidade de rever sítios, avivar memórias, fechar também uma porta (a porta da garagem e não só...).
Não ía conhecer a quinta, Pai. O jardim de cima ao abandono, lixo, folhas caídas à volta da palmeira. A casa vazia, lá em baixo. A rua grande que dá acesso à estufa. Aquela maldita estufa onde o seu pai, e meu avô Gabriel, se pendurou. Não vi um gancho, se calhar foi retirado, só vi uma travessa de madeira e acho que foi ali que aconteceu. O Pai sabe...
(Contaram-me do grito lancinante que o Pai deu, ao abrir a porta, grito ouvido por sua irmã, lá ao longe, na " Ilha das Cobras ").
O terreno do jogo, Pai, está diferente. Vi o muro por onde às vezes a bola saltava. Jogávamos lá, eu pequeno, com o professor Daniel e o irmão, amigos de quem todos gostávamos. O Pai foi, penso eu, o melhor guarda-redes do Sport União Sintrense.
(Lembro agora a sua zanga, era eu garoto, quando não quis acompanhá-lo a Alverca, aonde ía jogar).
O tanque da cisterna está vazio (lá em cima tentei puxar a argola, levantar a tampa, impossível). Das framboezas, apenas as estacas e os arames que as sustinham. Desapareceu a grande ameixoeira que eu via, vergada pelo peso, carregadinha de frutos. Desapareceu tanta coisa, Pai.
Não ía gostar de ver, de certeza. A quinta da raposa (houve mesmo raposas, algum dia?) alí ao lado, também abandonada.
Mais tarde, ao fechar, de vez, a porta da garagem (cuja chave, já devolvi) sentímos que se fechou também um ciclo.
(Como todos gostávamos daquela quinta, tão bem cuidada pelo pai e pelo avô).
8 Comentários:
Triste, mas, muito bonito o seu texto.
As casas e os jardins também envelhecem como as pessoas e também morrem.
Tudo tem o seu tempo ...
emília reis
Que pena... pela descrição devia ser tudo muito bonito.
(eu também não tratava os meus pais por tu.)
Há sempre locais que nos transportam ao passado e activam as nossas memórias, e o texto como diz a Emilia é "triste, mas muito bonito".
Um abraço
As pessoas morrem, é certo.
Mas as casas, os locais, podem (e devem) ser "ressuscitados". Sob pena de perdermos a nossa memória e identidade.
Quem habitava nos andares de cima do prédio e via dessa perspectiva a quinta, apreciava o cuidado que o Necas com a quinta que, não sendo dele, tratava como se fosse. Só temos de dar contas enquanto as coisas estão à nossa responsabilidade, não quando passam para as mãos de outros (ou para as mãos de ninguém). O Avô Manel era daqueles que vestia a camisola e honrava a camisola que trazia vestida.
Belíssima memória de gente que cumpria e era íntegra.
Um tempo de guardar e descrever aos novos, Zé!
Abç da bettips
Já aqui tinha vindo ler este belíssimo texto mas só hoje deixo pegadas. Gostei mesmo muito.
Obrigado M.
Como escreveu o Miguel - seu neto -o Avô Manuel honrava a camisola. E não só.
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