domingo, agosto 12, 2007

TORGA e outros temas...


No centenário do nascimento de Miguel Torga


" Há uma coisa que eu nunca poderei perdoar aos políticos: é deixarem sistemáticamente sem argumentos a minha esperança "


No colo do Viajante

Na cama do meu " companheiro "

" Era bom que fosse ele..."





Há ocasiões em que temos de desabafar. O meu " companheiro ", de seu nome Simão, quer monopolizar este espaço. E as atenções do dono. É bem verdade que temos atitudes e hábitos diferentes mas somos ambos criaturas de Deus.
Ele passa a vida de volta do dono e chega a ser peganhento. Segue-o para todo o lado. E é mesmo para todo o lado. Quanto a passeios é um regabofe. Não há saída do dono que ele não aproveite para se "infiltrar". Eu, limito-me a descer a escada, chego à porta, espreito, mas não saio. Lembro-me de ter saído uma vez, passei a noite fora e não gostei. No dia seguinte, quando me abriram a porta ao fim de muitos miados, foi um alivio para mim.
Cá em casa temos boa convivência. Ou seja, a possível. Já me constou que ele não gosta muito que eu me deite na sua cama. Mas se ele passa o tempo todo fora dela porque não hei-de eu aproveitar ? E não passa ele o tempo todo à espera de uma minha distracção para comer os meus acepipes?
Gostar que ele se perdesse, como parece indicar em cima, era ser mázinha. Mas gostava de ter umas férias. E isso implicava que ele fosse " dar uma volta e demorasse ".
Há uma coisa que ele não me tira. É o colo. Talvez por ser levezinha, o Viajante adora que eu me sente alí. E sempre que o Simão, ciumento, tenta fazer o mesmo, leva uma nega de todo o tamanho.
Ficar em casa tem muitas vantagens. Uma delas é ler muito e aprender umas coisas. E agora digam-me lá: acham que o Simão era capaz de escolher este texto para homenagear um Grande Homem das Letras Portuguesas ? Aposto que não.

Gatinha




" A chegada a Lisboa foi um deslumbramento frio. O senhor Ventura, sem uma letra, sem uma conta e a desconfiar da própria sombra, parecia uma objectiva inquieta a recolher imagens.
- Isto, pelos modos, é que é o Tejo! Com mil diabos, que mar de água!
Era um colega de recruta, o Américo, que tinha a boca mais larga do que o bolso donde um carteirista lhe surripiou cinquenta mil réis.
- Come e cala- foi a resposta do senhor Ventura, enquanto o barco, pesado, ia atravessando o rio.
- Mas então não gostas de ver?! - teimava o outro.
- O cavalo é bonito...
Tinham desembarcado já e olhavam no Terreiro do Paço a estátua equestre. Era dia de festa e a multidão comprimia-se na grande praça como gado num pequeno curral.
- Ai, que estou roubado!- gritou de repente o Américo, com a mão direita na fundura do casaco.
Abriu-se imediatamente à roda deles uma clareira. Quem estava à volta e ouviu aquela acusação universal, arredou-se precipitadamente.
- Ai, os meus ricos cinquenta mil reisinhos!- gemia o Américo, cada vez mais dorido.
Veio um polícia.
- O que foi?
O senhor Ventura, então, diante do ar embasbacado do companheiro, explicou ao guarda que o amigo estava admirado de Lisboa. Sim, senhor, rica coisa! E onde era, afinal, Infantaria 1 ?
O cívico ensinou.
E, enquanto ao lado o Américo lamuriava aquela dor quezilenta da perda dos cinquenta escudos que a madrinha lhe dera ao partir, o senhor Ventura, pergunta aqui, adivinha acolá, olhos como sanguessugas sobre todas as coisas, aprendia o caminho do quartel.

MIGUEL TORGA - O SENHOR VENTURA
Colecção Mil Folhas - Público

3 Comentários:

Às segunda-feira, 13 agosto, 2007 , Blogger bettips disse...

Vivam os animais que gostamos! As gatitas os pardais os caniches ou os vira-latas.
Vivam as palavras que amamos!
***
Vivam os poetas que não morrem!
Vivam os que nos compreendem!
Viva a voz, a escrita, a liberdade. Abç

 
Às segunda-feira, 13 agosto, 2007 , Blogger Maria disse...

Gato também tem direitos sim senhor! Que o digam as minhas que reinam aqui por casa. Quanto à escolha - muitíssimo oportuna! Faro de gata !!! :-)
Beijinhos

 
Às sábado, 18 agosto, 2007 , Blogger Paula Raposo disse...

Gostei deste post! Beijos.

 

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