domingo, setembro 12, 2010

PRENDAS...

SABES,  MÃE ?

Sabes, mãe! Hoje fui ao teatro.
Estranho, dirigir-me a ti...há tanto tempo que não digo isto..."sabes, mãe!"
O Carteiro de Neruda, chamava-se a peça. A reposição de um êxito. Acho que terias gostado. As luzes apagam-se e percorre-nos um arrepio...algo vai começar...algo que nunca vimos, e sobre o qual temos alguma expectativa.
Há um burburinho na sala...ouvem-se vários pedidos de silêncio. Se estivesses ali sei que estarias de olhos fixos no palco - aqueles teus olhos bem redondinhos e brilhantes -, a expectativa a querer saltar-te do olhar...as mãos pousadas sobre o colo e a cabeça ligeiramente inclinada - aguardando. Talvez a sombra de um sorriso dançasse nos teus lábios, talvez...Depois, o palco iluminou-se!

Terias gostado mãe!

Falava do Chile e de Pablo Neruda - o Poeta!

Falava de liberdade e de luta - coisas que te eram tão queridas.

Falava de poesia, de amor e de esperança - coisas que me exaltam.

Falava de derrota. De fascismo. De morte.

Nessa altura poderia olhar-te nos olhos, e sei que os teus estariam toldados de tristeza e lágrimas e no fim, quando as luzes se acendessem e a magia da história se dilúisse em pinturas e adereços, levantar-te-ías para aplaudir - na expressão vincadas ainda as marcas de um enredo que se fez vida.

Sabes, mãe! hoje fui ao teatro! e agora escrevo-te - aqui onde os teus passos já não ecoam.

Hoje! Dois mil cento e noventa dias depois daquela noite. A última.

A chuva caía forte no tejadilho do carro e o coração batia ao ritmo de cada bátega. O meu - porque o teu se afastava já, deixando-me para trás.

O último olhar. A última palavra. O último beijo.

Foi há dois mil cento e noventa dias mãe, que fechaste o pano.

Apagaste as luzes.

Saíste de cena e eu hoje mãe! hoje, fui ao teatro!

e digo-te!...

afirmo-te!... que mesmo após o fecho do pano, mesmo depois do apagar das luzes, persistem claras as vozes, límpidos os olhares e próximos os beijos.

Dulce Lázaro in " Um Mar de Contos " www.lulu.com

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SABES ...??
Sabes, há coisas irrepetiveis! Momentos únicos que deixam marcas para sempre. Sensações, que quando recordadas deixam um rasto de saudade e lágrimas, ou nos aquecem o coração. Momentos que pontuam a nossa existência, iluminando-a, pondo em destaque alguns "pequenos grandes "instantes da nossa vida.
Sabes, por vezes são coisas que parecem tão sem importância...pequeninas coisas...insignificantes até...Para ti, se tas contar, vais ouvi-las e pensar talvez " porque é que ela dá tanta importância a isto? ", e esquecê-las de seguida, mas para mim elas representam muito. São pequenas estrelas que ainda hoje brilham nos momentos menos felizes.
Sabes qual é a recordação mais antiga que tenho ? Tão antiga que às vezes me pergunto se não será apenas invenção minha. Se não me trairá a memória, confundindo-a com antigos relatos orais.
O cenário é a antiga sala do meu pai. Reconheço-a facilmente. Sei de cor a posição de todos os móveis. Vejo ainda os quadros na parede e o velho armário de madeira a um canto, onde eram arrumados em cada ano os frascos de geleia de marmelo e doce de tomate. Num pequeno divã colocado junto à janela estava eu - sentada na cama com a minha mãe ao meu lado. Dava-me à boca pequenas porções de melão.
Desta lembrança apenas sei que a posso situar entre os dois e os seis anos.
Pergunto-me hoje porque estaria um divã colocado naquele local. Estaria o meu quarto ainda por definir ? Perguntas de que nunca saberei a resposta. Ainda hoje, só me sabe bem comer melão assim: partido em pequenos quadrados e comido com a pontinha de uma faca.
Esta é a única memória que possuo, que coloca a minha mãe naquela casa, por isso ela é tão imporyante para mim.
Como te disse, chego a duvidar da sua veracidade. Temo confundi-la com desejos e sonhos. Temo que seja fruto da minha imaginação.
Já uma vez te falei da mememória dos aromas. Aquele armário dos doces está também guardado no meu baú, assim como o cheiro a madeira do meu quarto ou o cheiro do cabelo daquela boneca de tranças louras.
E depois há os gestos que algúem fez e que ficaram para sempre. Uma  festa na minha barriga quando grávida da minha primeira filha. Um gesto tão único, quanto insólito, vindo de quem veio.
As festas que a minha mãe fazia no meu cabelo. A cabeça deitada no colo dela, ali ficava, tempos e tempos, deslizando os dedos no meu cabelo - alisando...alisando e conversando...e gracejando.
Um gesto já quase esquecido, sabes ? que me é tão grato recordar...


Dulce Lázaro in " Talvez um livro ? " - www.lulu.com

2 Comentários:

Às domingo, 12 setembro, 2010 , Blogger Maria disse...

Fizeste-me chorar ... Obrigada Zé. As minhas palavras têm estado fechadas... talvez um dia destes voltem a sair à rua.
Beijo muito grande

 
Às domingo, 12 setembro, 2010 , Blogger Zé-Viajante disse...

Fazem muita falta as tuas palavras.
Faça favor de retomar o seu blog.
Eu gosto. E há mais quem goste.
Bj

 

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