sábado, fevereiro 14, 2009

Cartas de Amor em São Valentim

EÇA

Minha adorada noiva: ontem, depois de lhe escrever, tornei a ler a sua carta - e não fiquei pouco surpreendido ao verificar que ela não continha a single little loving word. Reli-a novamente. Sacudi o papel pensando que a little word teria ficado emaranhada nas linhas entrecruzadas; rebusquei sobre a mesa, que ela não se tivesse extraviado entre os papéis; procurei pelo tapete; olhei o tecto que, ao abrir o envelope, ela não tivesse voado e pousado no estuque; esquadrinhei os cantos do sofá; voltei para fora o bolso do peito, não a tivesse eu distraídamente guardado no coração - Alas! The poor little loving word was not to be found! (...) Estou esperando outra carta sua, possa ela chegar e trazer-me the little loving word . My little word é sempre a mesma - que a amo e que, quanto mais penso neste amor, mais o sinto a sério e grande. Il mérite un peu de retour. Não que isso seja necessário para que ele viva, e mesmo para que cresça - mas enfim, como recompensa de ser verdadeiro, num mundo e num tempo em que quase tudo é postiço. São sempre difíceis de acabar as minhas cartas - porque não ouso escrever os finais como os sinto. J`ai peur de vous effaroucher. E depois a sua proud reserve assusta-me um pouco. E assim só digo que te adoro, meu querido amor.
Eça de Queiroz (1845-1900) para Emília de Castro Pamplona, sua noiva e futura mulher

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PESSOA

Terrível Bebé: gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha também. E é bombom, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo e a Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que eu não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque é que havia de gostar, e isso mesmo, e tudo torna ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na boca, com exactidão e gulodice e comer~lhe na boca os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a, e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ser humano, mas é escrito por mim.
Fernando Pessoa (1888-1935) para Ofélia Queiroz

4 Comentários:

Às domingo, 15 fevereiro, 2009 , Blogger bettips disse...

Gostei muito da escolha, Zé!
Muito.
Quem os diria assim, despojados das suas literaturas. Apenas homens.
Abçs

 
Às segunda-feira, 16 fevereiro, 2009 , Blogger Maria disse...

Bem apropriado para este dia que se diz "dos namorados".
Gostei muito.
Beijossss

 
Às quarta-feira, 18 fevereiro, 2009 , Blogger Paúl dos Patudos disse...

As cartas de amor são sempre ridículas, ou não fossem elas, cartas de amor.
Fica bem
Ana Paula

 
Às sábado, 21 fevereiro, 2009 , Blogger M. disse...

Gostei de ler, particularmente a do Eça, pela graça.

 

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