Cartas de Amor em São Valentim
EÇA
Minha adorada noiva: ontem, depois de lhe escrever, tornei a ler a sua carta - e não fiquei pouco surpreendido ao verificar que ela não continha a single little loving word. Reli-a novamente. Sacudi o papel pensando que a little word teria ficado emaranhada nas linhas entrecruzadas; rebusquei sobre a mesa, que ela não se tivesse extraviado entre os papéis; procurei pelo tapete; olhei o tecto que, ao abrir o envelope, ela não tivesse voado e pousado no estuque; esquadrinhei os cantos do sofá; voltei para fora o bolso do peito, não a tivesse eu distraídamente guardado no coração - Alas! The poor little loving word was not to be found! (...) Estou esperando outra carta sua, possa ela chegar e trazer-me the little loving word . My little word é sempre a mesma - que a amo e que, quanto mais penso neste amor, mais o sinto a sério e grande. Il mérite un peu de retour. Não que isso seja necessário para que ele viva, e mesmo para que cresça - mas enfim, como recompensa de ser verdadeiro, num mundo e num tempo em que quase tudo é postiço. São sempre difíceis de acabar as minhas cartas - porque não ouso escrever os finais como os sinto. J`ai peur de vous effaroucher. E depois a sua proud reserve assusta-me um pouco. E assim só digo que te adoro, meu querido amor.
Eça de Queiroz (1845-1900) para Emília de Castro Pamplona, sua noiva e futura mulher
Eça de Queiroz (1845-1900) para Emília de Castro Pamplona, sua noiva e futura mulher
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PESSOA
PESSOA
Terrível Bebé: gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha também. E é bombom, e é vespa, e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo e a Bebé deve escrever-me sempre, mesmo que eu não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque é que havia de gostar, e isso mesmo, e tudo torna ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijo na boca, com exactidão e gulodice e comer~lhe na boca os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar, e porque é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a, e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ser humano, mas é escrito por mim.
Fernando Pessoa (1888-1935) para Ofélia Queiroz
Fernando Pessoa (1888-1935) para Ofélia Queiroz
4 Comentários:
Gostei muito da escolha, Zé!
Muito.
Quem os diria assim, despojados das suas literaturas. Apenas homens.
Abçs
Bem apropriado para este dia que se diz "dos namorados".
Gostei muito.
Beijossss
As cartas de amor são sempre ridículas, ou não fossem elas, cartas de amor.
Fica bem
Ana Paula
Gostei de ler, particularmente a do Eça, pela graça.
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